Quem Foi Hipócrates? O Pai da Medicina Que Mudou o Mundo

Capa do artigo: Estátua de Hipócrates

Se você já se perguntou quem foi Hipócrates, a resposta leva diretamente a uma das figuras mais influentes da história da humanidade. Conhecido como o pai da medicina, o filósofo Hipócrates não apenas rompeu com as crenças sobrenaturais que dominavam o cuidado com a saúde na Antiguidade, mas também construiu as bases da medicina como ciência. Seu nome atravessou mais de dois milênios e, ainda hoje, ecoa nas universidades, nos consultórios médicos e nos princípios éticos que regem a prática da medicina moderna. Entender quem foi Hipócrates é mais do que uma lição de história: é compreender como ele revolucionou a maneira como a humanidade entende a saúde, a doença e o próprio corpo.

As Origens de Hipócrates: Entre Mito e Realidade

Nascido por volta de 460 a.C., na ilha de Cos, na Grécia, Hipócrates cresceu em um ambiente impregnado de saberes médicos e filosóficos. Seu pai, Heráclides, era médico e alegava descender de Asclépio, o deus grego da medicina. Sua mãe, Praxitela, vinha de uma linhagem que dizia ter ligação com Hércules, o herói da mitologia grega. Embora essas ascendências sejam mais simbólicas do que factuais, elas refletem bem a importância que sua família atribuía ao conhecimento e à tradição.


Na Grécia do século V a.C., a medicina estava profundamente ligada às crenças religiosas. Doenças eram vistas como castigos dos deuses ou como resultado de possessões espirituais. A cura, portanto, frequentemente envolvia rituais, orações e oferendas. Foi nesse contexto que Hipócrates iniciou uma revolução silenciosa, mas transformadora.

A Filosofia de Hipócrates: A Medicina Como Ciência e Arte

Em que Hipócrates acreditava? A resposta envolve muito mais do que técnicas médicas. Ele via a medicina como uma combinação de ciência, ética e filosofia. Para Hipócrates, um bom médico não era apenas aquele que dominava os conhecimentos práticos, mas também aquele que compreendia o ser humano em sua totalidade.

Sua visão era profundamente holística. Ele afirmava que a saúde dependia do equilíbrio entre o corpo, o ambiente, os hábitos e até o clima. Essa filosofia deu origem à famosa Teoria dos Quatro Humores, segundo a qual o corpo humano era composto por quatro líquidos fundamentais — ou “humores” — que, quando em equilíbrio, garantiam a saúde, e, quando em desequilíbrio, geravam doenças. Esses humores são:

  • Sangue: associado à energia vital, à vitalidade, ao entusiasmo e ao otimismo. Acreditava-se que estava ligado ao coração e à circulação, sendo responsável pela disposição física e mental.
  • Fleuma: um tipo de muco corporal, produzido principalmente nas vias respiratórias. Representava a calma, a serenidade, a lentidão e o equilíbrio emocional. Na visão hipocrática, o excesso de fleuma deixava a pessoa mais apática ou lenta, enquanto sua ausência poderia gerar ansiedade e inquietação.
  • Bile amarela: um líquido digestivo real, produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar, essencial para a digestão de gorduras. Na teoria dos humores, era associada à energia, à impulsividade, à agressividade e ao temperamento colérico. O desequilíbrio desse humor poderia resultar em comportamento irritadiço e inflamações no corpo.
  • Bile negra: um conceito mais abstrato na época, pois diferente da bile amarela, não corresponde a uma substância biológica claramente identificável no corpo humano. Era associada ao baço e vinculada à melancolia, à introspecção, à tristeza e, em excesso, à depressão. Acreditava-se que sua presença excessiva causava desânimo e doenças associadas ao abatimento emocional.

Esse modelo, embora hoje superado, foi o primeiro sistema médico a tentar entender o corpo e a doença a partir de uma perspectiva lógica, buscando relações entre sintomas, estilo de vida e ambiente. Ele dominou a medicina ocidental por mais de 1500 anos, até o surgimento da medicina científica moderna.

As Descobertas e Contribuições de Hipócrates

Ao transformar sua filosofia em prática, Hipócrates inaugurou uma nova era na medicina, na qual a observação cuidadosa, o diagnóstico preciso e a busca por causas naturais se tornaram fundamentais. Seus escritos revelam descrições surpreendentemente detalhadas — para sua época — de doenças como pneumonia, tuberculose, epilepsia, artrite e úlceras, além de instruções sobre como reconhecê-las a partir de sintomas claros e padrões consistentes.


Foi também pioneiro ao entender que a febre não era uma doença, mas um sintoma de que o corpo enfrentava algum desequilíbrio interno, uma percepção revolucionária e que ainda hoje é um dos fundamentos da medicina clínica.

Mais do que tratar doenças, Hipócrates pregava que o papel do médico também deveria incluir a prevenção, por meio da orientação de seus pacientes sobre alimentação, hábitos de vida, higiene e até sobre a influência do ambiente na saúde — práticas que permanecem centrais na medicina contemporânea.

O Juramento de Hipócrates: O Nascimento da Ética Médica

Quando falamos em Hipócrates, é impossível não mencionar o Juramento de Hipócrates, uma de suas maiores heranças. Criado como um compromisso ético, esse juramento foi escrito não só para proteger os pacientes, mas também para assegurar que o conhecimento médico fosse transmitido apenas a quem demonstrasse caráter, compaixão e compromisso com a verdade.

Embora o texto original (disponível em: CRM-PR) fizesse referência aos deuses gregos, seus princípios fundamentais permanecem vivos e atualizados até hoje:

  • Promover o bem e evitar causar dano.
  • Manter o sigilo sobre as informações dos pacientes.
  • Ensinar medicina apenas a quem for digno desse saber.

O juramento atravessou séculos e, mesmo com adaptações, continua sendo uma cerimônia simbólica presente nas formaturas de médicos em todo o mundo.

O Bastão de Asclépio: O Símbolo da Medicina e Seu Significado

O Bastão de Asclépio, símbolo da medicina, tem origem na mitologia grega e representa a cura, a sabedoria, a transformação e a renovação. O bastão simples simboliza o caminho, o apoio e a prática médica, enquanto a serpente — que troca de pele — carrega o significado de renascimento, equilíbrio e superação dos ciclos da vida e da morte. Na lenda, Asclépio, deus da cura e filho de Apolo, um dos 12 deuses principais deuses do Olimpo, dominava a arte da medicina a ponto de ressuscitar os mortos, o que levou Zeus a fulminá-lo com um raio para restaurar o equilíbrio do mundo.

Curiosamente, muitas pessoas confundem esse símbolo — que possui uma única serpente e não tem asas — com o Caduceu de Hermes, que tem duas serpentes e asas, mas que na verdade está ligado ao comércio, à diplomacia e à comunicação, e não à medicina.

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Caduceu de Hermes (à esquerda) e Bastão de Asclépio (à direita)

O bastão em si não é apenas um suporte físico, mas um símbolo profundo da jornada do médico. Sua representação como um cajado simples, rústico, sem ornamentos, feito de madeira natural reflete a essência da prática médica na Antiguidade: um caminho de humildade, apoio, constância e dedicação. Essa simplicidade não é acidental. Ela representa a conexão com a natureza, com a vida e com o compromisso constante de quem escolhe a medicina como missão.

Por outro lado, o Caduceu de Hermes, frequentemente confundido com o Bastão de Asclépio, carrega características bem diferentes, tanto em simbologia quanto em estética. Ele é um bastão geralmente mais ornamentado, simétrico, polido, frequentemente representado em metal, com asas no topo e duas serpentes entrelaçadas. Essa aparência mais elaborada não é apenas decorativa: ela simboliza velocidade, eloquência, negociação, mediação e trocas — atributos ligados a Hermes, o mensageiro dos deuses e patrono dos comerciantes, diplomatas e viajantes, não da medicina.

A confusão entre os dois símbolos tornou-se comum especialmente a partir do século XX, quando instituições — especialmente nos Estados Unidos — começaram a utilizar erroneamente o Caduceu de Hermes como símbolo médico. No entanto, historicamente, desde o mundo grego até os dias atuais, o verdadeiro símbolo da medicina é o Bastão de Asclépio, com sua única serpente e bastão simples, representando não só a prática, mas também a ética, o compromisso com a cura e a busca incessante pelo equilíbrio entre vida, doença e saúde.

Encontros Que Moldaram Seu Legado

Hipócrates não surgiu no vazio. Durante sua vida, viveu em meio a um ambiente cultural efervescente, compartilhando a mesma época que figuras como Sócrates, Platão e Demócrito, este último também defensor da visão naturalista do mundo. Embora não existam registros de encontros diretos, é quase impossível imaginar que os pensamentos filosóficos de sua época não tenham influenciado mutuamente essas mentes brilhantes.


Após sua morte, suas ideias foram preservadas, desenvolvidas e transmitidas principalmente graças a Galenos, um médico romano do século II que reverenciava Hipócrates e estruturou grande parte de sua própria prática médica sobre os ensinamentos hipocráticos. Durante a Antiguidade e a Idade Média, a medicina galênica, profundamente influenciada por Hipócrates, dominou o pensamento médico no Ocidente.

No mundo islâmico medieval, outro nome de peso, Avicena, também mergulhou nos ensinamentos de Hipócrates, ajudando não apenas a preservá-los, mas a aprimorá-los e disseminá-los. Graças a essa preservação, seus conceitos atravessaram séculos, chegando ao Renascimento, quando, finalmente, começaram a ser superados pelos avanços da ciência moderna — mas jamais esquecidos.

Curiosidades Que Você Provavelmente Não Sabia Sobre Hipócrates

  • ⚗️ Hipócrates foi o primeiro a correlacionar doenças a fatores ambientais como qualidade da água, ventos e localização geográfica — algo que antecipou conceitos modernos de epidemiologia.
  • 🏥 Sua escola de medicina em Cos priorizava práticas como boa alimentação, higiene e repouso, fundamentos ainda hoje recomendados pela medicina.
  • 🔬 É dele a primeira descrição conhecida da pneumonia e do câncer de mama.
  • 🧠 Também foi um dos primeiros a descrever a epilepsia como uma doença neurológica, quebrando o estigma de que era uma “doença sagrada” causada por possessão espiritual.
  • ⏳ Segundo relatos históricos, Hipócrates teria vivido cerca de 90 anos, uma longevidade impressionante para sua época — e um possível testemunho de que praticava o que pregava.

O impacto de Hipócrates vai muito além da medicina. Sua insistência na observação, na busca por causas naturais e na ética do cuidado reverberou não só na medicina ocidental, mas também nos próprios fundamentos do método científico. Seu nome é sinônimo de ética médica, de compromisso com a vida e com o conhecimento, e seu legado é lembrado sempre que um médico veste um jaleco ou pronuncia o juramento que carrega seu nome.